domingo, 24 de julho de 2011

À espera..

É cedo e como tal está uma bela temperatura, amena, um vento moderado, olhando pela janela, ninguém diria que era dia de chuva, que pena estar sozinha a apreciá-la. Tenho o meu espaço desarrumado, espero uns momentos penetrada na janela, mas as minhas plantações continuam franzinas. O ar está abafado mas ninguém me sabe explicar porquê.
Ontem cresceram-me casulos enfeitados nas cordas vocais que me enfastiam, bichos gordos e borulentos instalaram-se nos sulcos da minha mão, espero que não sejam virulentos, tenho teias de aranha cheias insectos aflitos a emaranharem-me o cabelo, apanhei um fungo da vida.
Tenho uma estrada que se encurta, extremamente apertada para as banhas que teimam desabar da minha cintura, tenho crescido num espaço tão apertado, e sinto-me tão perdida. As minhas coisas, pertencem-me, existem, o sorriso é meu e a força é minha, e a estranheza eu sinto-a, mas eu cresço, e sou outra, e outra, e outra, se é que sou alguém que agora fica por aqui.
Sigo a paços curtos para a sala, estão a tocar piano na casa vizinha, a luz é ténue e parece mexer-se ao som de cada tecla, mesmo sem saber dançar, sinto-me anestesiada, é quase erótico, relaxo, e pego numa amêndoa de chocolate que saboreio lentamente, tão lentamente que logo me enervo e a engulo. Estou deliciada com os gritos do instrumento, e apetece-me contorcer-me, gemer de entusiasmo e criatividade. Que pena que os carris da minha vida estejam enferrujados, que me tenham amputado o equilíbrio, que pena, que só saiba viver intensamente ou morrer. Pareço uma cadela no cio, delirante com a arte o mais sincero acto de compreender a vida, delirante com os modos e carícias da gente grande, e da conquista do verdadeiro mundo pelos pequenos, que pena que eu seja doente de viver. E agora começo a balançar a cabeça, repetidamente e freneticamente, estou no meu estado demente, nem a minha costela de menina me salva, nem dos olhos vidraçados do meu avô me recordo, e os reflexos louros nas ondulações do cabelinho da minha irmã são chamarisco para pedófilos, na minha ilha está a serenidade dos que sabem de si se dão a si, são pedaços conquistados de paz.
Cheiro do mundo entope-me as veias, os bizarros argumentistas da sociedade, os vícios motivados pelo ciúme, o mosaico de melodias dos corajosos e insensatos, os que agradam sôfregos de fartura e inutilidade, os que querem pedir e não têm quando pedem, a barriga cheia de tinta vermelha dos que sabem falar, as sapatilhas gastas dos namorados velhos, as memórias que não deixaram saudade, o gosto a pão e peixe no local do costume, que era dos pescadores mas que agora rende mais dinheiro. Dêem-me vida, infortúnio não é estar aqui, é enlouquecer de sentidos.

Texto : mónica mata

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